12 de agosto de 2016

QUANDO O COPO TRANSBORDA



Sempre fui empurrando as situações com a barriga, nunca dando o braço a torcer e esperando que o destino percebesse que eu era uma mulher bacana e merecia reconhecimento.

Mesmo sendo ranzinza e mal educada com meus colegas de trabalho, meus clientes, meus chefes, meus amigos, minha família. Foram dúzias de vezes que minha mãe me chamou atenção pelo fato de descontar nos outros, mas principalmente nela, a raiva por meus problemas (que se comparados com os problemas de outras pessoas, não são quase nada).

Só que eu não estava nem aí. Continuava sendo uma pessoa desagradável sem um pingo de cerimônia. Algumas pessoas também eram desagradáveis comigo, reclamavam de mim e faziam pior e assim íamos tocando o barco sem rumo, pensando em chegar em algum lugar onde houvesse mais sossego.

Só que enquanto ia tocando esse barquinho percebi que tinha me tornado uma pessoa detestável. Não por culpa minha, mas por influência do meio em que estava. Tenho certeza que algumas pessoas deveriam pensar: essa guria deve pensar que é melhor que todo mundo!

Inclusive escutei isso de um prestador de serviços que acabou se tornando meu amigo depois: você acha que só existe a empresa X de cliente?

Não, eu não achava. Pelo menos isso tive a hombridade de reconhecer.

Os dias foram passando, o meu copinho começou a se encher de questionamentos do tipo:

- estou envelhecendo;
- me sinto sozinha;
- não me sinto bem na presença de ninguém;
- por que eu só quero dormir?;
- por que não consigo descansar?;
- por que me sinto como estivesse secando gelo?
- por que não consigo concluir nada que começo?

E então de questionamento em questionamento o meu copinho acabou transbordando.
Não, não foi ruim. Precisava disso para seguir adiante, para poder me desconstruir e não para voltar a ser quem era antes, mas para ser alguém melhor.

Algumas pessoas ficaram para trás no processo porque uma professora me disse que a gente não ajuda quem não quer se ajudar. Ninguém poderia chegar aonde cheguei. Estar no mesmo lugar que eu estava naquele momento.

Até me esforcei para que estivesse, mas acho que falhei miseravelmente.
Talvez ninguém quisesse estar comigo nessa estrada estranha. Há de se ter coragem para virar à esquerda no caminho rumo ao desconhecido. Mas eu já havia tropeçado em tantas pedras em outros caminhos, já havia tropeçado, caído, levantado. Tantas e tantas vezes. Fracassar, perder tudo, recomeçar do zero já não me eram dores estranhas. Eram ruins, mas eram familiares. 

Eu tinha uma bússola. 
Um GPS. 
Qualquer coisa que te ajude a se localizar.
Na primeira incerteza eu já sabia para onde seguir.
Na segunda incerteza, idem.

E assim foi, e cá estamos hoje trilhando essa estrada que não me é mais estranha, mas ainda surpreende.












19 de maio de 2016

PRISÃO SEM GRADES



A miopia era tão grande que não conseguia enxergar futuro.
Pois sabia que cada dia que iria começar seria idêntico ao dia que terminou.
Como não eram dias bons de se viver, cada dia era como ser prisioneira.
Em uma prisão sem grades.

De todas as perdas que acumulou até aqui: ausência em compromissos de família, viagens que foram adiadas, cursos em que fora reprovada porque simplesmente não pôde ir (ou não quis ir, sejamos francos) talvez a perda que doa mais seja a perda de tempo.

Ah, o tempo! Este não volta, independente de tecnologias, de app, de corrupção, de suborno. Quanto tempo teria levado para despertar dos campos de papoula? 

Um dia o véu simplesmente caiu de seus olhos.
Enxergou.
Não gostou do que viu.
Decidiu partir, então.

Não tinha ilusões românticas, não conhecia o caminho da nova estrada.
Também não tinha saudades do passado e tampouco voltaria para lá.
Mas trazia uma confiança perturbadora em seu olhar.
Isso era o bastante.




5 de abril de 2016

SOBRE PERFECCIONISMO, MULHERES E CRIATIVIDADE




Talvez deveria escrever coisas inéditas neste espaço mas este trecho do livro "Grande Magia: Vida Criativa Sem Medo" da Elizabeth Gilbert (sim, ela também escreveu Comer, Rezar, Amar) me chamou atenção no sentido de que me identifiquei, me reconheci.

Então decidi compartilhar e convidar você que adora se dar desculpas para iniciar um projeto alegando não estar pronto ou capacitado o suficiente, dentre outros argumentos:

" A primeira coisa a fazer (se quiser ser feliz em sua vida criativa) é esquecer a perfeição. Não temos tempo para perfeição. De qualquer forma, ela é inatingível: é um mito, uma armadilha, uma roda de hamster que vai fazê-lo correr até morrer. Como resumiu muito bem a escritora Rebecca Solnit: "Muitos de nós acreditam na perfeição, o que estraga todo o resto, pois o perfeito não é inimigo somente do que é bom, mas também do que é realista, possível e divertido".

O perfeccionismo impede as pessoas de terminarem os seus trabalhos e, o que é ainda pior, muitas vezes as impede de começarem os seus trabalhos. Perfeccionistas com frequência decidem de antemão que o produto nunca será satisfatório, então nem se dão o trabalho de começar a criar.

Porém, a artimanha mais diabólica do perfeccionismo é se disfarçar de virtude. Em entrevistas de emprego, por exemplo, as pessoas anunciam o seu perfeccionismo como se fosse sua maior qualidade, orgulhando-se exatamente daquilo que as está impedindo de aproveitar ao máximo seu comprometimento com a vida criativa. Exibem o perfeccionismo como uma medalha de honra, como se fosse uma prova de seus gostos apurados e padrões refinados.

Minha opinião, contudo, é outra. Para mim o perfeccionismo é apenas uma versão de luxo, haute couture, do medo. Acho que o perfeccionismo não passa de sapatos chiques e um casaco de vison, fingindo ser elegante quando, na verdade, está simplesmente apavorado.
Pois debaixo daquela fachada brilhante, o perfeccionismo nada mais é do que um profundo mal-estar existencial que afirma repetidamente "Não sou o bom o suficiente nem nunca serei".

O perfeccionismo é uma isca particularmente maléfica para as mulheres, que, a meu ver, se impõem padrões de desempenho ainda mais altos que os homens. Há muitas razões pelas quais as vozes e os pontos de vista das mulheres não são amplamente representados nos campos criativos hoje em dia. Parte dessa exclusão se deve à boa e velha misoginia, mas também é verdade que - muito frequentemente - as próprias mulheres se abstêm de participar. Abstêm-se de compartilhar suas ideias, suas contribuições, sua liderança e seus talentos. Muitas mulheres ainda parecem acreditar que não têm direito a se pôr em evidência a menos que elas e seus trabalhos sejam perfeitos e estejam acima de qualquer crítica.

Por outro lado, apresentar trabalhos que estão longe de ser perfeitos raramente impede os homens de participar do diálogo cultural global. (Estou só comentando...). E aliás não digo isso como uma crítica aos homens. Gosto dessa característica deles: sua absurda confiança , a maneira como decidem casualmente: "Bem, sou 41% qualificado para esse trabalho , então pode me dar o emprego!". Sim, às vezes os resultados são ridículos e desastrosos, mas às vezes, estranhamente funciona. Às vezes um homem que parece não estar pronto para a tarefa, não ser o bom o suficiente para ela, de alguma forma desenvolve imediatamente seu potencial só pelo fato de ter dado um voto de confiança a si mesmo.

Gostaria que mais mulheres assumissem o risco de dar a si mesmas esses votos de confiança. 

No entanto, já vi muitas fazerem exatamente o oposto. Já vi muitas criadoras brilhantes e talentosas dizerem: " Sou 99,8% qualificada para esse trabalho, mas, até ter dominado aquela última gota de competência, vou me abster, por via das dúvidas".

Não faço a menor ideia de onde as mulheres tiraram essa noção de que precisam ser perfeitas para serem amadas e bem-sucedidas. (Rá rá rá! Brincadeirinha! É claro que sei de onde tiramos essa noção: de absolutamente todas as mensagens que sempre nos foram transmitidas pela sociedade! Muito obrigada, história da humanidade!) 

Mas nós, mulheres, precisamos abandonar esse hábito, e isso é algo que só nós podemos fazer. Precisamos entender que a busca da perfeição é uma nociva perda de tempo, pois nada JAMAIS ESTÁ IMUNE A CRÍTICAS. Não importa quantas horas você tenha gastado tentando deixar algo impecável, alguém sempre conseguirá encontrar uma falha. (Há gente por aí que ainda considera as sinfonias de Beethoven um pouco, digamos, barulhentas.) Em determinado ponto, você precisa terminar o seu trabalho e lançá-lo da maneira que está. Ainda que seja apenas para ficar livre para fazer outras coisas com o coração alegre e determinado.

O que é a verdadeira razão de tudo isso.
Ou deveria ser. "








25 de março de 2016

DE PROPÓSITO



Enquanto secava a louça, pensava sobre o propósito.
Já havia falado anteriormente sobre isso em um dos meus primeiros posts, vide link aqui.

Desde o dia que escrevi este post, em meados de julho de 2011, muitas coisas aconteceram em minha vida desde então. Houve mais riso do que lágrimas, mais luta do que luto e mais ganho do que perdas. Apenas uma coisa não mudou: minha busca por um propósito.

Não que eu tenha pensado todos os dias nisso, os incêndios do meu cotidiano me impediram de ficar perseguindo essa meta o tempo todo. Porém alguns pequenos dissabores me fizeram refletir sobre o tipo de vida que estava levando, um pouco menos próspera e mais cansativa do que eu imaginava.

Muitos amigos tentaram abrir os olhos, sempre lembrando que eu precisava descansar, que a vida não é só trabalho. Concordo, mas nunca fui uma pessoa de planejamento, e isso atrapalha muito quando se deseja tirar férias. Precisa-se pesquisar o destino, comprar passagens, reservar hotéis, fazer roteiros. Nisso sou muito incompetente, reconheço.

Os dias passaram: viraram meses, completaram um ano inteiro. Não saí de férias. Muito menos meu espírito contestador: este estava furioso. Pelo cansaço, pelas reclamações que eu sabia que tinham seu fundamento, mas que infelizmente eu não tinha autonomia para solucionar, infelizmente. 

Meu espírito contestador, ou minha consciência tropeçaram na angústia desse tal de propósito. Não conseguia enxergar qual era o meu até aquele momento. De início assinei a revista vida simples para aplacar a ansiedade e buscar respostas para minhas dúvidas.

Não encontrei (respostas) para tudo, mas descobri um livro chamado "A magia da arrumação", da japonesa Marie Kondo. Me considerando bagunceira, comprei-o. E através dele descobri o livro "Recalculando a Rota", da brasileira Alana Trauczynski. Uma mulher que viajou o mundo inteiro para buscar o mesmo que eu buscava: sentido, significado, propósito.

Sua história me ensinou muito. Em resumo, ao ler o relato de sua jornada e seus erros, reconheci alguns dos meus, como a mania de julgar os outros, se achar muito esperta. Tanto ela quanto eu aprendemos nossas lições, cada uma a sua maneira. Talvez senão fosse por ela, não teria visto estes meus maus modos, não teria mudado a perspectiva sobre mim mesma. Ainda estaria iludida achando que estava tudo certo. 

Voltando a Marie Kondo, o seu livro me inspirou a me desfazer de muitas coisas que não me traziam felicidade. É libertador você pegar um objeto e simplesmente pensar: isso me faz feliz, de verdade? Nessa brincadeira eu joguei 10 sacos de 30 litros de coisas inúteis no lixo. Doei roupas que não me serviam mais. Achei até lápis de cor, que foram úteis à minha vizinha de seis anos.

E a descoberta do meu propósito
Veio do nada, durante o meu expediente. Uma conhecida me mandou uma mensagem inbox dizendo que os votos de feliz ano novo que lhe fiz no início de 2015 lhe deram coragem para ir atrás de sua felicidade, de seu...propósito.

Fiquei parada uns cinco minutos pensando: é sério isso? O que eu escrevi teve o poder de tocar alguém a ponto de arregaçar as mangas e buscar o melhor para si? 

Então é isso: independente de dar retorno financeiro, de ser popular ou não, de ter um bom layout ou não. Nada disso importa. O que importa é que tanto esse texto quanto qualquer outro que eu tenha escrito até aqui aqueça o coração. Faça você parar e refletir com carinho sobre suas escolhas. Demorei, mas eu encontrei (o meu propósito).

PS: e você, para quem eu escrevi, obrigada pelo feedback!