5 de abril de 2016

SOBRE PERFECCIONISMO, MULHERES E CRIATIVIDADE




Talvez deveria escrever coisas inéditas neste espaço mas este trecho do livro "Grande Magia: Vida Criativa Sem Medo" da Elizabeth Gilbert (sim, ela também escreveu Comer, Rezar, Amar) me chamou atenção no sentido de que me identifiquei, me reconheci.

Então decidi compartilhar e convidar você que adora se dar desculpas para iniciar um projeto alegando não estar pronto ou capacitado o suficiente, dentre outros argumentos:

" A primeira coisa a fazer (se quiser ser feliz em sua vida criativa) é esquecer a perfeição. Não temos tempo para perfeição. De qualquer forma, ela é inatingível: é um mito, uma armadilha, uma roda de hamster que vai fazê-lo correr até morrer. Como resumiu muito bem a escritora Rebecca Solnit: "Muitos de nós acreditam na perfeição, o que estraga todo o resto, pois o perfeito não é inimigo somente do que é bom, mas também do que é realista, possível e divertido".

O perfeccionismo impede as pessoas de terminarem os seus trabalhos e, o que é ainda pior, muitas vezes as impede de começarem os seus trabalhos. Perfeccionistas com frequência decidem de antemão que o produto nunca será satisfatório, então nem se dão o trabalho de começar a criar.

Porém, a artimanha mais diabólica do perfeccionismo é se disfarçar de virtude. Em entrevistas de emprego, por exemplo, as pessoas anunciam o seu perfeccionismo como se fosse sua maior qualidade, orgulhando-se exatamente daquilo que as está impedindo de aproveitar ao máximo seu comprometimento com a vida criativa. Exibem o perfeccionismo como uma medalha de honra, como se fosse uma prova de seus gostos apurados e padrões refinados.

Minha opinião, contudo, é outra. Para mim o perfeccionismo é apenas uma versão de luxo, haute couture, do medo. Acho que o perfeccionismo não passa de sapatos chiques e um casaco de vison, fingindo ser elegante quando, na verdade, está simplesmente apavorado.
Pois debaixo daquela fachada brilhante, o perfeccionismo nada mais é do que um profundo mal-estar existencial que afirma repetidamente "Não sou o bom o suficiente nem nunca serei".

O perfeccionismo é uma isca particularmente maléfica para as mulheres, que, a meu ver, se impõem padrões de desempenho ainda mais altos que os homens. Há muitas razões pelas quais as vozes e os pontos de vista das mulheres não são amplamente representados nos campos criativos hoje em dia. Parte dessa exclusão se deve à boa e velha misoginia, mas também é verdade que - muito frequentemente - as próprias mulheres se abstêm de participar. Abstêm-se de compartilhar suas ideias, suas contribuições, sua liderança e seus talentos. Muitas mulheres ainda parecem acreditar que não têm direito a se pôr em evidência a menos que elas e seus trabalhos sejam perfeitos e estejam acima de qualquer crítica.

Por outro lado, apresentar trabalhos que estão longe de ser perfeitos raramente impede os homens de participar do diálogo cultural global. (Estou só comentando...). E aliás não digo isso como uma crítica aos homens. Gosto dessa característica deles: sua absurda confiança , a maneira como decidem casualmente: "Bem, sou 41% qualificado para esse trabalho , então pode me dar o emprego!". Sim, às vezes os resultados são ridículos e desastrosos, mas às vezes, estranhamente funciona. Às vezes um homem que parece não estar pronto para a tarefa, não ser o bom o suficiente para ela, de alguma forma desenvolve imediatamente seu potencial só pelo fato de ter dado um voto de confiança a si mesmo.

Gostaria que mais mulheres assumissem o risco de dar a si mesmas esses votos de confiança. 

No entanto, já vi muitas fazerem exatamente o oposto. Já vi muitas criadoras brilhantes e talentosas dizerem: " Sou 99,8% qualificada para esse trabalho, mas, até ter dominado aquela última gota de competência, vou me abster, por via das dúvidas".

Não faço a menor ideia de onde as mulheres tiraram essa noção de que precisam ser perfeitas para serem amadas e bem-sucedidas. (Rá rá rá! Brincadeirinha! É claro que sei de onde tiramos essa noção: de absolutamente todas as mensagens que sempre nos foram transmitidas pela sociedade! Muito obrigada, história da humanidade!) 

Mas nós, mulheres, precisamos abandonar esse hábito, e isso é algo que só nós podemos fazer. Precisamos entender que a busca da perfeição é uma nociva perda de tempo, pois nada JAMAIS ESTÁ IMUNE A CRÍTICAS. Não importa quantas horas você tenha gastado tentando deixar algo impecável, alguém sempre conseguirá encontrar uma falha. (Há gente por aí que ainda considera as sinfonias de Beethoven um pouco, digamos, barulhentas.) Em determinado ponto, você precisa terminar o seu trabalho e lançá-lo da maneira que está. Ainda que seja apenas para ficar livre para fazer outras coisas com o coração alegre e determinado.

O que é a verdadeira razão de tudo isso.
Ou deveria ser. "